A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o prêmio de loteria recebido durante o casamento, mesmo sob o regime de separação obrigatória de bens, deve ser considerado patrimônio comum do casal e, portanto, incluído na partilha da herança do falecido. Essa decisão, além de reafirmar o entendimento jurisprudencial sobre o tema, traz importantes reflexões sobre o regime de bens no ordenamento jurídico brasileiro.
A controvérsia envolveu uma viúva que recebeu, enquanto casada, um prêmio de R$ 28,7 milhões na loteria. Embora o matrimônio tivesse sido celebrado sob o regime de separação obrigatória de bens, os herdeiros do falecido ingressaram com ação para que o valor fosse incluído na partilha. O pedido, inicialmente negado nas instâncias inferiores, chegou ao STJ, que reverteu a decisão.
O relator do caso, ministro Antonio Carlos Ferreira, destacou que o prêmio de loteria é um bem adquirido por fato eventual. Assim, ele ingressa no patrimônio comum do casal independentemente do esforço de cada cônjuge. A decisão se fundamentou no artigo 1.660, II, do Código Civil, que trata da comunhão de bens adquiridos durante o casamento, mesmo sem contribuição direta dos envolvidos.
O STJ ressaltou que, no caso de bens adquiridos por fatos aleatórios, como é o prêmio da loteria, não é necessário investigar o esforço individual dos cônjuges para sua obtenção. Essa interpretação se aplica mesmo em casamentos celebrados sob o regime de separação obrigatória, conforme o artigo 1.660, II, do Código Civil de 2002.
Além disso, o tribunal observou que o casamento analisado foi precedido por 20 anos de união estável sob o regime de comunhão parcial de bens. Ou seja, a formalização do vínculo matrimonial não poderia tornar mais rigoroso o regime de bens, desfavorecendo o cônjuge sobrevivente.
A imposição do regime de separação obrigatória para pessoas idosas, prevista no artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, tem como objetivo proteger o patrimônio do cônjuge idoso contra casamentos motivados exclusivamente por interesses econômicos. No entanto, essa regra já foi amplamente criticada por restringir a autonomia privada dos envolvidos.
Vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Tema 1.236, admitiu a possibilidade de afastar a separação obrigatória de bens por vontade das partes, reforçando o direito de escolha dos cônjuges.
A decisão do STJ é significativa porque reafirma que, mesmo no regime de separação obrigatória, bens adquiridos por fato eventual integram o patrimônio comum. Esse entendimento evita distorções que poderiam prejudicar um dos cônjuges ou seus herdeiros e traz mais segurança jurídica ao tratamento dos bens.
O caso julgado pela Quarta Turma do STJ serve como exemplo prático da aplicação do direito de família e sucessões no contexto contemporâneo. Ele também reforça a necessidade de harmonizar a lei com a realidade social, respeitando as características específicas de cada situação.
Para advogados, herdeiros e cônjuges, essa decisão evidencia a importância de entender os regimes de bens e suas implicações em eventual partilha de patrimônio, sobretudo quando fatos aleatórios, como um prêmio de loteria, entram em questão.
Artigo redigido pelo Assessor Jurídico Guilherme Neumann Ribeiro